E de pronto a vida te detém e te senta porque quer conversar contigo e não lhe fizesses caso.
E te fala. Te recorda coisas que talvez te havias esquecido. E te abraça.
E neste abraço te lembra que só viestes viver. Não lutar, ganhar, nem saldar nenhuma dívida.
Só viver.
Meus posts são bem egoístas, geralmente confessionais. Dou fé que uso a rede para me exibir, eximir, desabafar ou simplesmente contar história. Então senta que lá vem mais uma!
Fazia muito não escrevia nada no meu blog. E no front muita coisa aconteceu e pouco, de fato, aconteceu. Explico.
Da janela de nosso casamento de quase quarenta anos de idade, meu marido e eu sentimos soprar um vento- fim- de- estação. Botamos nossos dedos para fora tentando decifrar que rumo ele sugeria. Voar para onde agora? Qual a altura e distância do voo na nossa décima oitava e definitiva mudança?
Se aproximava a aposentadoria de kadado. Já não precisaríamos viver num Rio de Janeiro tenebroso, desgovernado, de futuro sombrio, refém do medo nos últimos tempos, quando me percebia diariamente metida em orações dentro do carro, rezando ao sair de casa e agradecendo ao voltar por termos tido nossas vidas poupadas daquela vez. Não esqueço de meu filho falando: “mãe, tenho que sair daqui antes que seja tarde demais”. Me marcou.
Resolvemos tirar do nosso baú dos sonhos um velho conhecido. O sonho de vivermos no Uruguai, mais próximos da família. Abandonado que fora após a morte de Leonardo, o sonho ressurgiu com o vigor do pássaro que viu sua gaiola ser entreaberta. Decidimos escancarar a porta da possibilidade, por mais radical que fosse mudar de hábitos, largar amigos, abarcar nova nacionalidade e modos de linguagem. Um medinho safado de bom na cola das nossas emoções nos empurrava como um Minuano que sai rasgando o pampa sem dó e cavalga na friagem da manhã.
O filho resolvera que iria casar-se e ir-se embora para outro país.
O marido decidira fortemente aposentar-se, sem mais delongas e procrastinação, apesar do convite de seguir mais alguns quilômetros.
A grande casa do Itanhangá precisaria ser vendida, a despeito do desanimador e pouco promissor mercado imobiliário carioca.
A chácara comprada um ano antes estava às vésperas de sua quitação.
Nervos à flor da pele.
Tudo era um grande ponto de interrogação e um celeiro de vontades e necessidades.
Kadado de fato fez checkout na empresa onde trabalhara por quarenta anos, a despeito das incertezas do momento. A mesma empresa, imaginem! um feito; uma janela bonita, patinada pelo tempo fechou-se com o cartaz escrito em cima: Foi bom. Fui Feliz. Obrigado.
Pois bem. O Pai nos ama. Nossa Senhora intercedeu. O universo assentiu dando um like gordo para esta família. O marido aposentou-se (agosto). O filho casou-se ( setembro). A casa imensa foi vendida ( outubro ), num timing muito impressionante. Como acreditar em “acaso”? Como agradecer tanto?
Para não ser fácil, o casório e a venda da casa, que aconteceram um na sequência do outro, foram acompanhados de um agravante: teríamos somente mais duas semanas para contratar e realizar a mudança internacional, depois da entrega da casa, simultânea a isto, e em tempo record ( outubro/ 4 nov).
Ficamos meio à deriva, morando por meses na casa de praia da minha mãe, no RGS. E meu marido com a sogra, de castigo. Enquanto isso tratávamos de todos os fabulosos trâmites…visto provisório, visto permanente de residência, cédula de identidade provisória, cédula de identidade permanente e lá se foram com galhardia cinco meses de angústias, esperas e acampamento, pois no último mês ( sem saber que seria o último) nos mudamos para a chácara no Uruguai, como que “dando um ultimato no destino”, com duas malas, uma cachorra e muita reza e mentalização positiva para receber logo a mudança do Brasil.
( os gatos haviam ficado com nosso filho Alexandre e a nora Anne no apartamento que eles haviam telado para recebê-los sem que corressem risco de queda do sexto andar. Nos entregariam Nelsinho e Romeu quando a mudança tivesse chegado, evitando para eles um grande estresse)
Na chácara apenas uma cama, uma cozinha semiaparelhada, um sofá na churrasqueira. Nada de distrações tipo cadeira, televisão, modernidades. A programação era providenciada pela natureza. Ouvir as árvores, os grilos, os sapos, os pássaros, as estrelas e a lua na nossa rádio bucólica.
De quatro de novembro de 2017 a cinco de abril de 2018 muita espera, obra, faxina e amigos achando que já habitávamos seguramente o paraíso havia tempo.
Não aconteceu muita coisa nestes cinco meses, mas cansou-nos muito. Desgaste emocional e físico. Muita vassoura, balde, tinta, pincel e água de Melissa. Muitos brindes comemorativos a cada tímido ameaço de “sim”, de migalhas das alfândegas e agentes aduaneiros. Muita frustração, angústia e sentimento de conquista e de espírito desbravador. Será que daria certo? Uma pequena fortuna fora paga à transportadora escolhida. Ao menos agora nossa casa já singrava o mar até Montevidéu. Acompanhávamos o navio MSC Vita por um sistema de rastreamento marítimo, com a alegria de crianças jogando seu videogame predileto (batalha naval, nem pensar!). Tanto que quando o Vita passou ao largo de Punta del Este, corremos a saudá-lo de longe; dois esfuziantes maluquinhos a desejar boa viagem ao capitão e tripulação, de pé num acostamento em Punta Ballena, acenando com as mãos acima da cabeça, sem medo de parecermos dois idiotas. Mais uma comemoração no fim deste dia!
Alexandre e Anne, às vésperas de mudarem para o Canadá, vieram trazer os gatos até Montevidéu, onde os esperávamos. Aqui em Maldonado aproveitariam para relaxar e passar conosco uma semana antes de partirem definitivamente rumo à nova vida. No fim, o universo conspirou mais uma vez a nosso favor e nem tanto para eles. Chegaram com a casa ainda vazia no dia 29 de março, dia do aniversário do Xande e a mudança ainda pegou-os por aqui no dia 5 de abril, de modo que nos ajudaram e suaram as camisetas por dois dias intensos, com calor e mosquitada antes de partir e nos ajudaram no logística e cuidado com os gatos. Romeu despediu-se de seus pais. E nós, do calor da segurança de ter o filho perto no Brasil. Foi uma despedida bonita, cheia de nós nas gargantas.
Estávamos cansados no final da peleia ( descarregamento de dois containers grandes ), sabedores da trabalheira que seria botar uma casa grande dentro da outra, mas ávidos por fazê-lo depois de tanto tempo com o grande ninho vazio. Xande e Anne agora, haviam partido. Só os veríamos no fim do ano, quando fôssemos visitá-los. Um sentimento agridoce nos percorria. A casa teria vida com os bichos, com a gente, mas nunca a felicidade seria completa. O filho,a nora, os netos provavelmente nunca desfrutarão deste ninho celestial. Não, não existe felicidade plena. Só pequenas felicidadezinhas. Tê-los aqui, foi uma delas.
Uma coisa é certa. Não é fácil caminhar.
Li em algum lugar que se o caminho estiver fácil, não está certo.
Ao meu ver a gente sabe que o caminho está certo quando perde o interesse de olhar para trás. E assim tem sido.
Olhamos com amor o caminho percorrido, as fases vividas. A canseira, a dúvida, os acertos, os filhos criados e devolvidos ao mundo e ao céu.
Alexandre, casado, agora vive com sua esposa no Canadá, começando sua história a dois. Nós estamos recomeçando mais uma vez aqui em Maldonado, ainda engatinhando nas amizades, na língua, com sentimentos ainda atrapalhados.
“Quando você deixa ir aquilo que não te serve, você cria um espaço para aquilo que tem que ser ” ( Ava Duvernay ).
Não sabemos ainda se foi a decisão correta, se é o caminho certo. Mas é um caminho, certo?
O fato é que a vida no Rio, foi intensa e boa, mas já não nos servia mais. As pessoas sim, me farão falta. Mas os amigos, a gente carrega junto, no coração. A amizade não é só uma coisa física. E a internet facilitou tudo, felizmente.
Desculpem-me todos meus amados dezenove leitores, só hoje tive ganas e tempo de sentar-me para atualizar meu blog. A vida como chacreira põe calos nas mãos, mas muitas sementes na alma. Quando germinar mais alguma coisa voltarei aqui para compartilhar com vocês.