Esperando para fazer o ecocardiograma-falta uma hora, porque o intervalo entre os exames é grande- não paro de exercitar o sentimento de agradecimento. Do lado de fora do consultorio onde estou, observo. Numa das duas salas entra o ancião na maca com o balão de oxigênio, agradeço (e, ato contínuo, peço por ele). Estou ficando velha. Ando cada vez mais sensível, penso. Passa a senhora encurvada, uma tábua de passar roupa dobrada, que dó! O que ela fez ou deixou de fazer para acabar assim? Sedentarismo, doença crônica, cuidou demais dos filhos, quiçá dos netos e se perdeu no esquecimento de si própria? Erro médico, excesso de medicações ao longo da vida longa? Hereditariedade, acidente, erro médico? estou numa prova e quem sabe é uma questão de múltipla escolha. Os pensamentos se entremeiam com as sensações e isso só complica meu quadro de empatia aguda. Agradeço. Seria melhor se fosse insensível? Sim. Mas quanta coisa eu estaria perdendo por esse mundo afora.
Sai o senhor do balão de oxigênio da sala, olhos cansados de vida, e eu agradeço por não ser eu ou ninguém da minha família. A porta fica aberta e a médica ( técnica?) tem obesidade mórbida. A cadeira afundada geme esgotada. Inconscientemente desejo não ser chamada nessa sala e sim na outra. Que feio isso! Mas o auto desleixo dela denota uma falta de amor para consigo mesma, deduzo. Eu julgo o tempo todo. Como evitar ser assim? Mas agradeço de novo por não ter aquele corpo. E agradeço uma vez mais por esse tempo de espera que me fez retomar meus escritos. Falta pouco para ser chamada e a porta aberta é a da gordinha. Para, Denise!
O estômago ainda ronca de fome. Podia ser pior, penso, e agradeço à maçã que elegantemente quebrou meu jejum de onze horas, sentada ao sol, na frente do hospital, onde a vida beirou de novo à famigerada normalidade, enquanto a comia.
A outra sala se abriu, mas não fui chamada. Esvazia-se o corredor e não vejo a hora de estar em casa e almoçar com o marido. Ele está cozinhando pra mim lá em casa. Agradeço o homem bom que encontrei.
Pela porta entreaberta vejo. A gordinha continua na frente da tela. Que tristes seus tornozelos inchados saltando da meia! Mas que voz tão doce! A língua castelhana glamouriza o seu linguajar técnico. Sempre amei essa língua! Era pequena e me apelidaram de ” rádio El Mundo” por meus esforços e transmissões em portunhol.
Falei com a gordinha. Confirmou que o Dr. Machado é o da sala ao lado e que está atrasado. Que fome! Capaz ela tenha um pacote de Oreo na sua bolsa. Agradeço por não ter visão de raio X.
São quase 13 horas e sigo na saga da espera. Já se foi meu estoque de agradecimentos.
Paro se escrever, pois estou fraca e desestimulada demais para continuar batendo o dedo nas teclas. Um último agradecimento restou. À barriga zero que estou.
Sequei.