Diário de porta de hospital

Esperando para fazer o ecocardiograma-falta uma hora, porque o intervalo entre os exames é grande- não paro de exercitar o sentimento de agradecimento. Do lado de fora do consultorio onde estou, observo. Numa das duas salas entra o ancião na maca com o balão de oxigênio, agradeço (e, ato contínuo, peço por ele). Estou ficando velha. Ando cada vez mais sensível, penso.  Passa a senhora encurvada, uma tábua de passar roupa dobrada, que dó!  O que ela fez ou deixou de fazer para acabar assim? Sedentarismo, doença crônica, cuidou demais dos filhos, quiçá dos netos e se perdeu no esquecimento de si própria? Erro médico, excesso de medicações ao longo da vida longa? Hereditariedade, acidente, erro médico? estou numa prova e quem sabe é uma questão de múltipla escolha. Os pensamentos se entremeiam com as sensações e isso só complica meu quadro de empatia aguda. Agradeço. Seria melhor se fosse insensível? Sim. Mas quanta coisa eu estaria perdendo por esse mundo afora.

Sai o senhor do balão de oxigênio da sala, olhos cansados de vida, e eu agradeço por não ser eu ou ninguém da minha família. A porta fica aberta e a médica ( técnica?) tem obesidade mórbida.  A cadeira afundada geme esgotada. Inconscientemente desejo não ser chamada nessa sala e sim na outra. Que feio isso! Mas o auto desleixo dela denota uma falta de amor para consigo mesma, deduzo. Eu julgo o tempo todo. Como evitar ser assim? Mas agradeço de novo por não ter aquele corpo. E agradeço uma vez mais por esse tempo de espera que me fez retomar meus escritos. Falta pouco para ser chamada e a porta aberta é a da gordinha. Para, Denise!

O estômago ainda ronca de fome. Podia ser pior, penso, e agradeço à maçã que elegantemente quebrou meu jejum de onze horas, sentada ao sol, na frente do hospital, onde a vida beirou de novo à famigerada normalidade, enquanto a comia.

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A outra sala se abriu, mas não fui chamada. Esvazia-se o corredor e não vejo a hora de estar em casa e almoçar com o marido. Ele está cozinhando pra mim lá em casa. Agradeço o homem bom que encontrei.

Pela porta entreaberta vejo. A gordinha continua na frente da tela. Que tristes seus tornozelos inchados saltando da meia! Mas que voz tão doce!  A língua castelhana glamouriza o seu linguajar técnico.  Sempre amei essa língua! Era pequena e me apelidaram de ” rádio El Mundo” por meus esforços e transmissões em portunhol.

Foto por Murry Lee em Pexels.com

Falei com a gordinha. Confirmou que o Dr. Machado é o da sala ao lado e que está atrasado. Que fome! Capaz ela tenha um pacote de Oreo na sua bolsa. Agradeço por não ter visão de raio X.

São quase 13 horas e sigo na saga da espera. Já se foi meu estoque de agradecimentos.

Paro se escrever, pois estou fraca e desestimulada demais para continuar batendo o dedo nas teclas. Um último agradecimento restou. À barriga zero que estou.

Sequei.

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DESABAFO/ DAQUELES DIAS DE QUERER DESINSTALAR-ME DO PLANETA

Foto por Nandhu Kumar em Pexels.com

Eu não me encaixo.

O mundo segue muito rápido. Eu não alcanço. Não me encaixo. Cansei.

Quase desistindo de tentar acompanhar a tecnologia. Ela está evoluindo mais rápido do que a capacidade humana, diz Friedman. E o mundo sendo remodelado por essas acelerações me assusta no modo power.

Cansada de buscar sinal, rede, de chegar no restaurante e ter que ler menu por QRcode. Não entendo nomenclaturas novas. Eu não me encaixo. Desisto. Só queria ser feliz com pouco. Como antigamente, como no tempo dos meus pais. E nem faz tanto tempo. Entardecer na vida sem perder a conexão com o planeta, com os mais jovens ou mais espertos que eu. Envelhecer com digna idade, sem sentir-me um Tricerátops numa loja de vasos de Murano, sem chamar a atenção para tamanha defasagem.

Cansei de ser mostruário do obsoleto. Ser lembrada a todo momento, ferida, mesmo os outros não tendo a intenção, por causa do meu não alcance dos novos dispositivos eletrônicos e aplicativos “facilitadores”. Tá chato. Não quero me encaixar. Escolho brincar de jogos mais fáceis. Jogar o jogo da velha. A pressão me esmaga, me diminui o tamanho e começo a sentir que sou pouco, fora do tempo, presença antiquada e incômoda aos outros.

Estou entristecendo. Eu, que sempre teimo em ser alegre, sei que estou desbotando. Meu contorno esfumaça. Alma embotada, desmilinguida. ” Que dificuldade!” me diz alguém próximo a mim…” Não consigo entender, é tão simples”. “Burra!” Sigo encolhendo. Já perco a força do saber-me valorosa, interessante, necessária. É assim que sente a pessoa que envelhece? Agora entendo. O rótulo mata. A impaciência alheia , a invisibilidade. Passamos a não fazer falta. Que triste! Pior é a sensação de estar incomodando, aborrecendo quem está nessa engrenagem. Ao mesmo tempo penso: Pobre dos jovens e crianças de hoje! Triste sina. Eu cresci desabotoada, floresci sem pesticida, nem cerca.

É quase tarde para me encaixar nesta engrenagem doida. Desembestada.

Mas sobra a poesia do que ainda resta. Em mim, em alguns respiros intervalados de nossa humanidade. E neste pouco que resta me seguro com alguma esperança de sobrevida. Sobre a vida? Ah, só quero esticar o prazo de felicidade. Mas!

Eu já não me encaixo.

ESPERO UM GRAND FINALE

Não, eu não posso mudar muita coisa, nada no mundo. Sou tão grão, um monte de células maluquinhas quaisquer, um pólen que só chega com a ajuda do vento.

Quando corri a cortina do olho bem para o lado vi o tamanho da minha inutilidade no planeta e tive o insight.  Entendi assim: vou fazendo direitinho o que posso ir fazendo. Só isso. Cuido do marido com comidinha boa, sou asseada com minha casa, decoro, boto flor, invento cantinhos. Trato dos meus seis animais. Lavo o balde, renovo a água para ela estar sempre fresquinha, tapo eles com manta no frio, boto caminha no sol para que deitem e não sintam a dureza das pedrinhas no corpo,  mimo sim, dou bolacha Maria, leite de manhã; são meus filhos, afinal, e cuidarei bem deles até partirem. É cansativo, é missão.  Pequenina, mas que tomei pra mim.

Dei-me conta que a diferença que posso ser está no detalhe  bem executado. Lavo bem a roupa, esfrego punhos e colarinhos das camisas do meu parceiro antes de metê-las na máquina de lavar. Seco, dobro  com esmero. Penso no amor que posso pôr em cada ação e não na chatice do ato como algo rotineiro e repetitivo. Faz diferença, acreditem. Posso varrer milhares de vezes a calçada, o corredor, o pátio de todas as folhas que brincam sem cansar e ainda assim desfrutar. Tiro os pelos do piso de toda bicharada, num dia e no outro também e também e também. É cansativo, é missão.  Mantenho algum diálogo amoroso com a família, buscando desprezar estranhamentos e rusgas e alimentar as relações de amizade. Cuido das plantas, peço para a laranjeira que dê mais frutos, agradeço que ela está se esforçando. Peço licença pra abelha: “só quero podar um galho, não me pique”. “Senhor figo, como podes ser tão gostoso?” Rego as hortênsias e percebo seu sorriso de alívio. “Isso, isso, levantem os braços, vamos fazer polichinelo”. A boa loucura me faz rir, divertir-me com meus solilóquios.

E esses momentos me insuflam vida. São alimento, verdura para o espírito. Me sinalizam que estou fazendo algo bom. Que meu microssistema se beneficia do meu cuidado. E me resigno à minha pequenez com felicidade. Sim, estou mantendo a vida ao meu redor. Para isso vim. Para estar e servir. Desejo ardentemente minhas mãos, mesmo desidratadas e trêmulas mais tarde, doando, regando e ainda colhendo frutos na curva final antes da minha chegada. Pés de galinha de tanto dar risada. E a glória de nascer do outro lado e subir no podium ao lado de Deus, cansada de vida, mas com o olhar inteiro de curiosidade e fome de gozar daquele banquete todo à minha espera, ainda quentinho. Chegar com uma florzinha pro jarro da mesa e dizer: “obrigada, Pai, por ter me esperado”.

dança da chuva

Foto por Taryn Elliott em Pexels.com

Estou fazendo a dança da chuva.
Não é que não goste de dias quentes, sol forte e céu sem nuvens de um extremo azul, dias feitos para a praia e piscina. Mas, São Pedro, essa brincadeira tá cansando! As plantas sofrem, tem gado morrendo na Argentina, sim, dos hermanos aqui do lado. Tenho medo do poço secar. Preciso de sombra e temperatura mais amena para ter gosto de ler um livro. Enquanto escrevo marca trinta graus e são recém dez horas da manhã. Odeio acordar depois das oito. Começo os afazeres atrasada, pois mesmo sendo domingo há sempre tarefas a cumprir.
Os bichos aqui em casa arfam com as línguas para fora. Meu Deus, imagino os de rua! Pior…e os que estão atados em pequenos espaços, sob o sol? Água, água, por favor, dizem seus semblantes. Cavalos atados suam, pássaros emudecidos, florestas prestes a queimar num descuido humano. Não gosto dessa impotência. Dessa desumanidade. De estar seca e sempre sedenta.
Estou seca. Desidratada pela espera dos rumos do país. Amedrontada. Mulher, digo pra mim, onde está a tua fé?
Só me resta rezar. Por chuva, por justiça divina e um novo tempo.
Quero água. Quero poder celebrar. Quero a humildade de um técnico a abraçar seu time na derrota. Quero chorar junto com eles, com o país, para depurar o medo. E que essas águas se juntem às do céu e retornem em forma de chuva de bênçãos para saciar corpos e lavar nossa honra.

Desglamourizando a coisa toda…ou A VIDA COMO ELA É

Que me lembre desde pequena eu gostava de desenhar nos cadernos escolares. Toda tarefa acabava em traços coloridos sublinhando palavras e desenhinhos ilustrativos. O fascínio pelas cores crescia junto com meu corpo enquanto os anos passavam. Mas eu sabia que sozinha não evoluiria. Entendia minhas limitações, e teimosa, alimentava a fome de aprender. Só por volta dos vinte anos, seguindo o empurrãozinho da minha mãe ( vai filha, ela pinta bem…), fui fazer umas aulas com a esposa de um bancário, colega de meu pai. Sobrava em simpatia o que lhe faltava em didática. Não aprendi quase nada, só a continuar vivendo com a frustração. Ela pintava meus quadros. Era um tipo de pintura mediúnica. Eu saía com a tela pronta no final, sem ter participado quase dela. Parei.

Casei. Saí do RGS e fui viver em Curitiba, Maringá, Itajaí. Tive filhos. Mudei para São Paulo. O chamado voltou. Resolvi fazer um cursinho de pintura em tecidos, outro em porcelana; pintei paredes, fiz texturas, aproveitando os respiros entre essas aulas e a criação de dois guris, um deles com necessidades pra lá de especiais. Resolvi fazer um curso de pintura acrílica com a senhora simpática que tocava órgão na missa  carismática, que havia morado nos EUA e pintava lindamente. Foi ressuscitado o ânimo pela volta aos pincéis.

Em 2000 mudei para o Rio de Janeiro. Vida nova, correria, colégio e terapias para meu polaco e finalmente um curso na casa de Cultura da Barra da Tijuca, com um professor chileno que me apresentou ao desenho com carvão. Pintei a “Tiazinha”, como minha família chamava meu quadro, por causa de uma sombra em volta dos olhos dela, que lembrava a máscara usada pela performer. Faziam piada do meu esforço brutal de reprodução de uma obra clássica de Jean-Baptiste-Camille Corot ( A Dama de Azul ) que, obviamente o professor me fez pintar antes com carvão. “Parece ela”, diziam meus pais. Como eu não sabia resolver a boca e a mão da dama, meti-lhe um lenço e um rosário na mesma para disfarçar minha incompetência. O braço meio “malhado” dela desafiava o padrão de beleza da época. Mas achei lindo. O quadro até hoje segue na casa de praia deles, em cima da minha cama e parece estar eternamente rindo de mim. O professor chileno nunca botara a mão na minha tela, como os outros antes dele. Fiquei até aborrecida, na ocasião. Queria ajuda. Uma luz que não vinha. Por culpa dele nasceu minha traumática e eterna dama debochada que paira fantasmagoricamente acima da minha cabeceira. Mas aprendi depois que esse era o jeito certo de ensinar. E também que era preciso muitas cores para compor o tom correto de azul do vestido da Tiazinha.

A vida passava e eu entrava e saía de museus, mostras,  colecionava flyers dos artistas. Cheguei a participar de uma Mostra coletiva no Rio de Janeiro, onde meus dois quadros receberam Menção Honrosa, uma espécie de prêmio consolação para quem não ficasse com as primeiras colocações. O saldo havia sido positivo, depois que passei pelo professor chileno, logo percebi. Me animei então a empreender um voo solo…com muito medo e alguma coragem. Pintei-sem ajuda- meus primeiros copos de leite. Me pareceram o tema menos complicado na ocasião.  Poucos elementos, poucos riscos de dar errado. Estava de volta! Só. Sem rede de proteção. Mas ainda latejava a vontade de voar mais alto.

No entanto fiz uma pausa em 2011 para escrever e lançar meu primeiro livro na XV Bienal do Rio, enquanto meu filho, sem eu saber, morria devagar. Ainda neste ano mudamos de volta à Sampa. Tive tempo, todo o tempo que não tivera antes. Meu filhote havia partido para sua casa de cima, quatro meses depois da nossa chegada à terra da garoa e o outro havia escolhido ficar no Rio. O luto foi a ausência dos filhos e das cores.

Voltei para o Rio em 2013, com as mãos quase vazias. Dediquei-me ao segundo livro que acabou nascendo  em 2015.
Um belo dia, deu-se a magia: fui fisgada por uma pintura num cartão postal ao ir pagar a conta do restaurante da pintora Geórgia Lobo. Aquelas cores do casal retratado na pintura me entraram na alma como um tiro de canhão, me desacomodando, cutucando, desafiando insolentes a pintora adormecida ou paralisada dentro de mim. Busquei o site da artista e cheguei à nave mãe, sua mestra Suzana Schlemm , que foi quem habilitou um novo chip da pintura na minha cabeça e na minha alma. Entendi a Luz e a Sombra, porque estava, enfim, pronta para esse ensinamento. Aleluia. Hosana nas alturas. Com Suzana fiz dois intensivos rápidos de pintura à óleo (2016) no Rio e em São Paulo. Tive vergonha de dizer -lhe minha verdade, pega de surpresa ao ser perguntada se era a primeira vez que pintava, pois estava ciente da minha mediocridade artística e assim menti. Obviamente ela deve ter sabido depois ao observar-me, mas foi educada e gentil e nunca voltou ao assunto. O fato é que esses dois mini cursos foram suficientes para me lançarem de novo ao mar. A me fazerem querer aprender a dar novas braçadas neste mar incerto, quase nunca calmo, da arte da pintura.

E aqui estou. Assim entre idas e vindas a arte esteve o tempo todo agachada, à espreita do menor sinal de abertura ou aceitação.  Respeitando minha vontade e meu tempo. Latejante e paciente.
Minha conclusão é que a vida preparou-me lentamente, sem pressa alguma, até o momento do meu desabrochar. Sem pressão.  Apenas me deixando viver minhas missões como eu podia, day by day.  Quando dei-me conta eu ERA O QUE ERA, uma soma de tudo que havia vivenciado. E que nada mesmo é por acaso. E que A VIDA TEM A DANÇA QUE A GENTE FAZ

fui ser feliz, não sei quando volto

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Hoje é dia de detox do ódio que está sendo destilado nas redes. Darei um tempo no Facebook. As pessoas estão tóxicas. Talvez o confinamento esteja espremendo não só o melhor de muitas, mas o pior de algumas delas. Percebo um medo exagerado de quem não tem uma fé, a confusão gerada pelos canais informativos, a frustração de um vazio existencial, a proliferação de vidas rasas e muita aridez espiritual. Talvez o tempo ocioso esteja sendo mal empregado e o vírus do desamor esteja contaminando mais que o Covid19.

Decidi focar apenas naquilo e naqueles que me acrescentam, gente do bem com bons pensamentos, palavras e atos.

Eu escolho hoje quem eu quero do meu lado. Quem eu sigo e quem me segue. Escolho Deus, minha família e meus amigos para pôr na minha arca em tempos de dilúvio.

Desamor mata. Deprime. Faz as pessoas diminuírem de tamanho. Implodirem.

Escolho a claridade que vem detrás daquela montanha além, acolho a pomba que me traz o ramo de oliveira no seu bico.

Quero viver a quarentena da ressurreição com paz, com a certeza de que as águas vão baixar e que os corações irão se acalmar. Mas com a tristeza de saber que as lições de agora serão esquecidas rapidamente, porque somos demasiado humanos.

Hoje me blindo dos pés à cabeça com vestimenta, luvas e máscara e não permitirei que a contaminação me toque.

Hoje levanto correntes e porta. Não permitirei que a maldade suba a bordo.

Hoje, eu quero paz. Vou ficar segura dentro da minha arca e cuidar dos meus.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Foto por Jonathan Borba em Pexels.com

Que tempos tão escuros estamos vivendo! À parte de todo mal que sempre andou solto pela terra desde os primeiros tempos, contido pela força de Deus e por toda sua legião de anjos, o plumado do mal (não gosto de usar a palavra anjo para ele) continua voraz, atuante e, pior, segue subestimado por grande parte dos homens. Tem enorme poder, sua força é rasteira, mentirosa e habita o submundo dos corações. É zelador oficial de um porão gigantesco de bestas, que assanhadas esperam o dia de soltura.

Confesso temer estes últimos tempos bíblicos, em que o advento do gran finale se aproxima a galope. Tenho sido movida- meu espírito escuta o pedido- a rezar pelas nações e seus presidentes ou ditadores, porque, repito, tenho medo. A pedir paz, iluminação, lucidez, boa vontade, discernimento, que possa ser aqui na terra como no céu.

A decepção me flechou e creio que, como eu, milhões de fiéis estão aturdidos neste momento, desgovernados espiritualmente. Tenho assistido uma gritaria de gente maldizendo, blasfemando, indignadas pelos últimos acontecimentos. Compreensível, mas feio de ver. A igreja colapsa, agoniza, quando deveria, ao revés, estar mais unida e crente no poder da oração.

De uma coisa eu sei: misturar religião com política não dá certo. Um pastor de almas deve ater-se a cuidar do bem estar do seu rebanho, guiando-o por bons pastos, por caminhos seguros. Mas nosso líder espiritual tem se reunido com ditadores, tem apoiado abertamente o socialismo, que preconiza, na sua forma mais cruel, a extirpação de todo e qualquer tipo de liberdade. Por isso peço a Deus que o Papa Francisco tenha a amplitude de mente de escutar os dois lados.

Sou católica, adoro sê-lo e irei continuar sendo, mesmo que meu pastor esteja doente. Afinal, os homens passarão; a Igreja permanecerá.

Oremos. 

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Um não-Conto de Natal

Foto por Skylar Kang em Pexels.com

Em vésperas de passar o Natal em Lisboa na casa de amigos queridos troquei as seguintes mensagens com a amiga:
Sabe o que eu achei lindo que o diácono falou na missa ontem?.
-Fala logo.
-Ele sugeriu que puséssemos uma cadeira vazia ao lado da árvore de Natal…para Jesus, falei.
Já está.
-Achei de um simbolismo tão lindo!
-Indiretamente fiz isso hoje.
Fiquei até arrepiada, diz a amiga.
– O que?? Que conexão!
– Ontem, com a movimentação dos móveis eu vi a poltrona e falei: vou colocar do lado da árvore.
– Nossa, Cíntia! Esperando a minha ideia. E o dono da festa.
– Obvio que eu não pensei tão longe. Mas foi a conexão de pensamento. Incrível.
– Vai ser muito lindo e abençoado nosso Natal.
– E o alemão chega e pergunta: ela vai ficar aqui para sempre?
– Respondo:Para o Natal sim!
– Bah! Arrepiante.
-E olha que eu nunca troco poltronas de lugar!
– Isso pode dar um lindo conto de Natal, replico.

É assim. Está no ar. Alguma coisa boa nos atravessando pedindo urgência de sentidos. O vento nesta época parece trazer espíritos bons, apanhar ideias, intenções puras e brincar de alinhavá-las em desavisados com o coração destampado. E assim se formam inesperadas conexões, que copulam, multiplicam-se em ciranda produtiva, aproveitando nossa guarda baixa. Nossa predisposição para o bem.

-Jesus, vem sentar na nossa poltrona!

DAS COISAS QUE APRENDI NO URUGUAI

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Levei quase quarenta anos para saber que meu marido adora rabanetes, inteiros mesmo, de modo que ao serem mordidos fazem croc na boca. Surpresa. Dele ser louco por abóbora, também desconhecia até vir morar na chácara, onde plantamos, colhemos e onde sou “obrigada” a cozinhar diariamente, tratando de levar uma vida mais saudável para o bem dos nossos corpos que querem desfrutar desse novo paraíso conquistado, por muito tempo ainda. O esforço diário de anos de remadas nos trouxe até esta praia e seria um desperdício tremendo não viver o bastante, com forças física, mental e espiritual, para usufruir das surpresas do lugar. Queremos saúde, e não que nos vejamos daqui a pouco de outro plano como duas cruzinhas cravadas na areia da praia com algum tipo de epitáfio assim: “Deveria ter seguido a dieta mediterrânea”, ou ainda “Eram duas caveiras que se amavam”, “Morreram na praia” ou simplesmente “Hahaha”.

Aqui na chácara estamos vivendo um tempo de novidades, Kadado e eu. Boas surpresas no geral. Descobrindo o que já sabíamos pela literatura ou “de ouvir falar” sobre a sabedoria da natureza. Que o carvalho ( el roble) é generoso e nos regala descendentes em quantidade. Temos sentido alegria em obsequiar conhecidos e amigos com mudas desta poderosa árvore. E que os noventa pés de alface que plantei gostaram das minhas mãos e que irão parar na mesa de muitas pessoas. Do mesmo modo chegaram a nós pés de amora, tomate cereja, pata de vaca, amendoeiro, coentro, alecrim, chuchu e sementes de phisalys. Imaginem essa energia  toda solta na terra, no ar! Não tem como dar errado.

Ontem tivemos uma experiência incomum. Chegamos na casa de um casal de amigos escultores com um vaso de filhote de roble e saímos com um saquinho de sementes de girassol, outro de um poutpourri de flores francesas e, de lambuja,uma receita de geleia de laranjinha kinoto.  O homem gentil disse: já não se fazem mais estas trocas hoje em dia.

Em duas palavras posso resumir estes quase dois anos de aposentadoria e de vivência aqui no Uruguai. Surpresas e compartilhamento.

Descobri que as lebres são gaiatas e que brincam como crianças às nossas costas, que um veadinho vive perto do nosso lago sem constrangimento, que as corujas são animais amorosos, que as cobras comem os ratos e os gambás, zorrilhos e doninhas comem as cobras, num ciclo equilibrado e quase poético de vida e morte.

Conheci gente simples, boa, comida típica, modos de vida peculiares. Uruguaios, tão próximos geograficamente e tão distintos em seus modos de pensar e viver. Com surpresa-ela de novo- pude sentir na pele o quanto gostam de nós brasileiros e o quanto admiram nossa energia alegre ao mesmo tempo em que se autodenominam um povo melancólico.

A vida fora do meu país, e acho que este é um sentimento comum a quase todos os expatriados, me fez acordar para a grandiosidade cultural da nossa terra, para a fartura, a multiplicidade de frutas (ai, que saudade!), legumes e hortaliças oriundas da generosidade da terra brasilis. A terra é boa, passa fome quem é preguiçoso.

O mais bacana de tudo foi a aquisição deste novo olhar que diferencia  o ter e apenas possuir… do ter com a alegria de compartir (adoro esta palavra assim, em espanhol ). É reconfortante fazer um simples arroz de carreteiro e poder compartilhar com conhecidos, amigos ou o jardineiro. Tomar um mate no fim de tarde e jogar conversa fora, tentando entender e se fazer entender numa fraterna torre de Babel entre vizinhos, quando se juntam o português, o espanhol, o francês e o alemão. Trocar sementes, ideias, comidas, isso sim é coisa de gente. É isso. Estou praticando esta nova modalidade. Sei que meu marido pensa igual. O nome disso deve ser matura idade. A vida desses coroas aqui tornou-se uma grande aventura, sem espaço para a monotonia.

Hoje o amigo Beto mandou-me esta da crônica do Agualusa, certeiro: “O melhor da vida é a surpresa. Boas surpresas, claro. A isso chamamos aventura. Ao inverso, podemos chamar tédio, a matéria de que é feito o inferno.”

 

e agora?

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-Bom, já fiz o almoço e lavei a louça ( pausa suspirada ).

Marido: – E agora?

-Agora a manhã já passou, o sol já foi embora e perdi o tempo de piscina que eu pensei que teria.

Em tempos tão brumadinhos havia resolvido fazer hoje uma comida que fosse uma alegoria ao verde cada dia mais raro no nosso planeta. Meu salmão Floresta Amazônica foi uma festa para os olhos, e , modéstia à parte, para o paladar. Poderia tê-lo batizado de Festa no Interior, tamanho o prazer interno de comê-lo em sua rusticidade tentadora. Pude comprovar que muita coisa boa junto, dá muito certo e desemboca numa gorda e suculenta alegria. 

Num tempo em que se revela o fundilho das calças, a hora da dor de barriga e a comida que a causou, cozinhar é uma grande e inusitada terapia e-pecado capital- um exercício de vaidade. Alimenta-se o corpo, a alma e o ego, parte não muito legal do processo. 

Mas é que o mundo anda muito pesado, enfeiado. Preciso de um antídoto para os males que rastejam por aí. Resolvi. Daqui para a frente vou exorcizar os demônios todos fazendo coisas boas. Sairei com minha vara mágica plimplimzando assim na cozinha: Brócolis Canta Canta Minha Gente, Escondidinho Levanta-te e Anda, Feijoada Gostoso Veneno, Carreteiro da Chinoca Esperançosa, Salada Olhai os Lírios do Campo, Guisado Começar de Novo, Risoto Ciranda Cirandinha, Bacalhau Chega de Saudade, Frango Feitiço da Vila , Macarronada Fio Maravilha, Almôndegas Nada do Que Foi Será, Empadão Se Acaso Você Chegasse, Quinoa Quero Botar Meu Bloco Na Rua, Tutu Pérola Negra, Purê O Mundo É Um Moinho e Beringela Purple Rain.

Continuarei brincando de fada num chão de lama onde estão dormindo para sempre centenas de pessoas com seus sonhos nos bolsos. Brincando por pura sobrevivência. Para manter a sanidade, a lucidez, o prumo.

E agora? 

Agora o sol já declina e é hora de empunhar o condão para colorir minhas panelas de novo.

Enquanto isso, o mundo se refaz.

fadinha

 

Aqui o Salmão Floresta Amazônica 

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